Imagine a conversa a seguir, entre um médico e um paciente.

– Doutor, venho me sentindo muito cansado. Mal consigo caminhar.

– Há quanto tempo se sente assim?

– Há pelo menos 15 dias. Eu sempre fui saudável, e não costumo ir a médico todo ano.

– Isso é bem compreensível. Você só tem 30 anos. Mas me conte um pouco mais sobre como se sente. Apetite? Está igual? Perdeu peso? Tem tido febre?

– Não sinto fome, e a comida perdeu a graça, mas tenho me esforçado para comer e beber água. Acho que perdi algum peso, mas não tenho balança em casa. É que notei que minhas roupas estão mais largas. Sobre a febre, não medi a temperatura, mas no final do dia, sinto uma moleza, tipo uma “febre interna”.

– Entendi. Vamos ver seus exames então; você me disse que fez um exame de sangue por conta própria, não é mesmo?

– Sim. Fiquei preocupado. Estão aqui, doutor – o paciente entrega os exames impressos para o médico.

Ao olhar o hemograma, o médico é tomado de um sobressalto, e mal consegue disfarçar. Ele guarda para si o sentimento de que algo grave está ocorrendo, e começa a buscar mentalmente uma forma de confortar o paciente. Como clínico, ele nunca havia visto um hemograma tão alterado – plaquetas e hemácias muito baixas, e glóbulos brancos acima de 50.000/mcl quando deveriam ser menos de 10.000. O médico se lembrou então dos seus tempos de estudante da faculdade de medicina, especialmente das aulas de Hematologia. Não se dedicara muito, afinal doenças hematológicas são raras, mas aprendera o bastante para saber que estava diante de uma possível leucemia aguda, e que precisava encaminhar esse paciente para um hospital com hematologista em caráter de urgência.

 

Essa é uma cena que vai se repetir – com variações quanto à gravidade, cenário, idade dos pacientes, e outros detalhes – cerca de 27.000 vezes no país a cada ano (20.000 casos novos de leucemia mieloide aguda, e 7.000 de leucemia linfoblástica aguda). Esse é o dado do sistema americano de epidemiologia (SEER)1,2. O Instituto Nacional do Câncer informa que nossa incidência no Brasil é cerca da metade do dado americano, mas temos que ter cuidado, pois aqui existe muita subnotificação3.

Não é um problema grande como o câncer de mama, que atinge cerca de 300.000 novas mulheres por ano, mas a leucemia aguda é um problema agudamente grave. É grave porque se não diagnosticada e tratada de forma imediata, levará a morte do paciente em 100% dos casos.

O diagnóstico preciso requer a assistência de um hematologista, que é o único profissional médico formalmente treinado para diagnosticar e tratar dessa doença. Serão necessários muitos exames de sangue, e análise da medula óssea, principalmente para coleta de exames relacionados a características genéticas da doença que direcionam o tratamento e informa sobre o prognóstico.

No mês de fevereiro, lembramos aos profissionais de saúde não hematologistas sobre a urgência de se desconfiar da doença e encaminhar os pacientes prontamente para um serviço especializado. E o mais importante, os pacientes que passam por esse caminho árduo, onde muitos sairão vitoriosos, mas que não deixa de ser difícil. Vocês são a razão do nosso trabalho diário.

 

  1. SEER Acute Lymphoctic Leukemia. https://seer.cancer.gov/statfacts/html/alyl.html.
  2. SEER Acute Myeloid Leukemia. https://seer.cancer.gov/statfacts/html/amyl.html.
  3. INCA Estimativa de Número de Casos Novos de Leucemia 2023. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2023.pdf.

 

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16/02/2024